No contexto da arte contemporânea, Marília Diaz emerge como uma artista potente, cujas obras em cerâmica transcendem os tempos, dialogando com temas tão atemporais quanto a fertilidade e a conexão entre a natureza e a vida humana. Essa jornada criativa floresce a partir de uma residência artística, em Seixal, Portugal, cuja paisagem amarela e florida a envolveu desde sua chegada em maio de 2023.
Ao contemplar as fotografias da majestosa Serra da Estrela, cujo amarelo cobre as montanhas, Marília se deixa envolver por essa tonalidade que, em sua luminosidade, evoca alegria, felicidade e vitalidade. Inspirada pela exuberância da primavera e pelas festas pagãs, como as Maias, onde flores amarelas enfeitam janelas e danças celebram a alegria e gratidão, a artista inicia um mergulho artístico na representação desses rituais associados à fertilidade e ao renascimento.
A influência do poema "Um Rio desbocado" de Manoel de Barros permeia seu trabalho, evidenciando a relação intensa entre água e terra, adquirindo um tom erótico e simbolizando o casamento divino responsável por fecundar a terra. Seixal, com sua ligação ao rio na baía do Seixal, e a Serra da Estrela, com suas paisagens montanhosas (imagens que influenciaram a artista), evidenciam as dualidades de água e terra, refletindo as metáforas presentes na obra de Barros.
Marília tece com habilidade essas referências culturais e mitológicas, construindo um berço sólido onde repousam suas criações. Seu trabalho inicial, impulsionado pelo amarelo das flores, evolui para uma pesquisa conceitual sobre os símbolos da fertilidade, incorporando elementos como a Vênus Esteatopigia, figuras voluptuosas que desafiam padrões estéticos restritivos.
Ao explorar símbolos como deusas da fertilidade, a lua, ovos, caracóis e flores, Marília questiona normas culturais associadas à beleza e fertilidade, promovendo a aceitação da diversidade corporal. Suas vênus, com genitálias fartas e seios triplos, tornam-se símbolos poderosos de empoderamento feminino, desafiando estereótipos.
A interconexão entre as obras de Marília Diaz e a representação da fertilidade na arte contemporânea transcende o biológico para abordar questões sociais, culturais e ambientais. Suas cerâmicas opulentas, botando ovos, deitando-se à terra, tornam-se uma metáfora para a diversidade corporal e uma reflexão crítica sobre normas culturais. Em um mundo onde identidade, gênero e sustentabilidade estão em constante discussão, as criações de Marília contribuem para diálogos mais amplos, enriquecendo a compreensão da fertilidade como tema multifacetado e eternamente relevante na expressão artística contemporânea.
Marcel Fernandes, verão de 2024.
Marcel Fernandes é artista visual, ceramista e poeta, autor dos livros "O Cochilo do Céu" e "Kepler-186F". É também Conselheiro Municipal de Cultura em Antonina, representando as artes visuais, cidade onde nasceu e reside.
Belo texto do jovem artista, amigo e conterrâneo. Numa simbiose entre o ser, fazer e seu lugar. Coisa da Marília e sua obra. Coisa do Marcel e seus conceitos.