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baunilha, memórias, blonde e uma bandeira cor-de-rosa

 

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Introdução: baunilha, memórias, blonde e uma bandeira cor-de-rosa.

 

 

Esta história começa em 26 de maio de 2015, logo após nosso espetáculo no Teatro Guaíra. Acabávamos de apresentar nossa seiva. Desnudávamos em essência num turbilhão avassalador que fazia pensar, não os mais conservadores mas, uma elite cultural – então público – de uma catarse visceral, sobre suas verdades e feridas: “que soco tomaremos agora”? “muitas cáries numa Boca Maldita”, apresentação financiada coletivamente por 349 pessoas dispostas a investir numa verdadeira produção autoral que apresenta, em forma de roupa, um tratado artístico multisuportes, é pesada. Linda, mas pesada. Um tema indigesto, um excesso de informações tão bem amarradas, que foi quase impossível desatar seus nós.  

 

A feitura de “muitas cáries...” foi iniciada em novembro de 2014, e até maio de 2015 muita coisa aconteceu. Eu percebi minha melhor amiga se extinguindo. Eu chorei muito e por vários momentos cheguei a pensar que nada valia a pena. Nada. Eu não conseguia trabalhar e não tinha o que respeitasse o silêncio que as circunstâncias me cobravam. Eu fui a última pessoa a lhe falar consciente. Eu lhe dei um beijo e lhe confortei a partir. Eu vi ela partindo. Ela por sua vez me ensinou a andar. Ela foi a primeira pessoa a cortar o meu cabelo. Ela que me disse: “Voa!”. Ela que construiu metade da minha vida. Ela foi e continua sendo minha melhor amiga e o desespero em não conseguir ligar pra ela pra contar o detalhe mais sutil ou o desejo de lhe acordar num domingo às 7 horas da manhã pra ela me acompanhar no trajeto pro trabalho e escutar os periquitos verdes  me desejando bom dia e eu estender o braço pra cima para eles desejarem bom dia pra ela também, são insuportáveis. A voz não pára de me atormentar.

 

Quando ela partiu então, e um pouquinho antes enquanto ela ia, isso  me fez pensar que o mundo precisa de beleza. Que assuntos  desconfortáveis todo mundo dissemina a todo momento enquanto o globo gira, era tempo  de apresentar uma coleção bela - doce como baunilha, que tivesse o cheiro da sensação que eu sentia quando entrava pela porta do seu quarto no começo da noite, logo depois de um dia onde  o sol aqueceu a cortina e a cama, e a atmosfera do seu mundo. Tinha que ter esse cheiro, que é parecido com o cheiro do quarto onde tem o altar na nossa casa nova. Sequenciada de sua  partida, a Thifany e eu nos mudamos de casa, então quem  já estava vivendo desconfortável  fica alguns instantes sem lar. Lembranças de um passado imediatamente passado acalentavam,  soavam como a lembrança da Marlize me ninando ao som de “boi-da-cara-preta” ou “peixinho falou com sapo” e as memórias dela eram as únicas bases para seguir com os passos diários. Me afundei no trabalho. Fiz um figurino pra Elza Soares, fiz um figurino pra Juliana Cortes,  viajei muito e fiz o vestido de noiva e o costume da Marina e do Lano, ocupando minha cabeça e meu tempo 24 horas por dia. Hospedei a Bruna e o Lawrence na minha casa e 4 dias depois tive a vitrine da loja esmigalhada. Eu estava susceptível . Caí mais um pouco. 7 dias depois, ouvindo a Elza cantando Amy, saí de casa (eu estava mais em casa do que na loja, precisava me resguardar, não queria conversar ou enxergar a porta de ferro da loja abaixada) fui pra loja, olhei pra Dani e pra Thifany e disparei: “Rehab, estou ótima, nasceu a coleção e vai ter desfile”. A Thifany duvidou e a Dani sorriu, mal sabia ela da confusão que tinha se metido quando a Karina Taques lhe indicou ao trabalho na Heroína – Alexandre Linhares. Comecei a experimentar a forma do útero.

 

Me lembro de quando descobri que o seu perfume Blonde era do Gianni Versace e que ele havia feito essa fragrância pra sua irmã Donatela. Ela era minha Donatela e minha Bethânia e a gente ria muito de “ai Lili, ai Lilia, alô”, que eles eram insanos, que tudo é uma grande loucura. Nós descobrimos juntos uma teoria sobre o que um enxerga não é o mesmo que você enxerga e isso eu estudo hoje no budismo e sobre o resultado de um experimento depender do olhar do observador . Eu não me lembro de quando ela me ensinou a andar, mas eu tenho imagens mentais construídas, tantas foram as vezes que eu ouvi essa mesma história que competia com o número acerca do dia que eu estava no carrinho de bebê e roubei do supermercado um chocolate e dizia “Coate Ía Maía”. Ela me ensinou a andar aos 9 meses, no gira-gira da nossa casa, ela me desenhava vestidos de noiva em 95 quando a nossa irmã buscava por vestidos de casamento. Nós iríamos conquistar o mundo e a bandeira do seu império seria cor-de-rosa.

 

 

 

A performance no Museu Oscar Niemeyer “parede”

 

 

Quando o Daniel Sorrentino e a Ana Cris Willerding convidaram a Heroína – Alexandre Linhares para participar do ID FASHION, nós optamos não por participar com um desfile, apresentando uma coleção pronta, e sim dar início ao processo criativo de uma coleção naquele espaço sagrado. Sugerimos uma performance. A arte da performance está presente no nosso trabalho e já me acompanha antes do nascimento da Heroína e antes ainda de a Thifany me tomar pra ela e me chamar de seu. A arte da performance é a maneira de expressão que me é mais completa e por onde eu transito com mais naturalidade, numa linha divisória não marginal nem elitista, nem completamente aceita, nem discriminada. Quase contraventora, quase controversa, quase um verso no meio de um mundo automático e (mal)acostumado. Num mundo que não lê nem faz leituras. Em um mundo que quase já não é. “sim,sim,sim”, de 2010, foi a primeira vez que iniciamos uma coleção com performance.  Permaneci em pé no cruzamento entre a Visconde de Guarapuava e a Alferes Poli, vestido de noiva, por 12 horas e 13 artistas fizeram o registro disso, cada um à sua maneira.  A segunda performance que apresentamos (digo “apresentamos” pois é a primeira vez que eu e a Thifany criamos em conjunto uma obra) foi “industrialização”, dentro do “quadrilátero do milho” (nossa cria que discute o alimento geneticamente modificado), integrando o “Deforma”, em 2013. Na “parede”, operários da moda que somos, nos pusemos uniformizados de branco, ante um mural em tecido imaculadamente branco, com peças nossas aplicadas em branco também. Um ambiente branco, receptível à tinta. Demos cor ao espaço e a nós mesmos. Sem um norte pré-definido, as imagens que foram surgindo compõem um repertório interior calcado numa vida dedicada ao trabalho artístico onde a roupa é o único elemento passível de venda e todo o entorno culmina no objeto vestível. Essa “parede” resultou num pano de 28 x 2,5 m de pintura em tecido. Parte dela virou peças de roupa e parte foi destinada para a Gasp produzir os sapatos dessa coleção. A feitura da parede durou 2 dias, iniciando e terminando junto com a primeira edição do ID FASHION, em outubro de 2015. Mais uma vez a Eliana estava conosco. Em todos os momentos. Eu sempre me lembro dela, (continua)

 

 

A Estrela da Coleção, a Fotógrafa e a Produção

 

 

O Claudio já era nosso cliente. Sobrinho da Christiane, assistiu in loco o desfile de “muitas cáries...” e nos contatou por ter um casamento em São Paulo e querer que sua namorada estivesse portando um vestido nosso. Nos conhecemos (pausa). Para a coleção nascer, ela precisa ter um rosto e a Calu, a namorada do Claudio, tinha o rosto que buscávamos. Delicada na medida certa, contrapunha os dois rostos da coleção anterior e era uma pessoa agradável de se ter por perto. Partimos para a confecção com a Calu em mente, personificando nela o que era “ser Eliana”. Só a convidamos para viver este papel e ser o rosto da Heroína nesta temporada, dias antes de produzir o material. Ela aceitou. Ela é o rosto da Heroína hoje (a foto de capa , bem como a imagem que ilustra este texto, são da Andrielly Suzane).

Quando a coleção me veio, a proposta de sua amostragem deveria ser em formato de desfile e eu podia ouvi-la dizer “ o meu eu quero no Guaíra também”. “o meu, a minha” fora o início de vários assuntos na convivência com a Eliana. Ela era encantada e encantadora.  No processo, conhecemos ainda a Andrielly Suzane e a Aline Elena, alunas da Karina Taques, que em  seu curso de Produção de Moda do Senac  foram incumbidas de produzir um material pra nossa loja. O resultado do trabalho foi tão perfeito e tão profissional, que as convidamos para produzir este desfile, com a ajuda ainda da Simone Iahnig Jacques e da Luiza Helena Klein. A falta de verba compensada pela enorme boa vontade das pessoas que temos ao nosso redor,  nos levaram a produzir na chácara do pai da Aline (Josélio Parreira, que junto de sua esposa Márcia Klein prepararam um café maravilhoso com bolos e pães de sua fábrica, além de ceder a chácara para a realização deste trabalho e nos recepcionarem como se fossemos nobres) um desfile virtual, tecnológico, filmado sem público (pelo nosso irmãozinho de tempos, Rafael Uniga) e apresentado na fachada da Heroína – Alexandre Linhares, na rua, como um drive-in. Este  trabalho tem música própria, composta pela grande Jô Marçal, que me entregou no dia das crianças, “partida”, uma música para a Eliana. No vídeo, essa obra foi adaptada pelo produtor musical César Munhoz, outro parceiro a quem confiamos cegamente quando precisamos musicar. Abrilhantam e compõem o corpo do desfile:  Amanda Kanasiro e Henrique Godeny (estudaram Ecodesign comigo na Design ao Vivo), as irmãs Bianca Valoski e (a estrela) Carolina Valoski. Meus sobrinhos Caroline Linhares e Wilson Linhares Filho e a fotógrafa e artista Gio Soifer. A performer Leonarda  Glück, com quem eu já queria trabalhar há muito muito tempo, é irmã de coração da Verônica Rodrigues. A Leticia Ostrovski interpreta o papel da Bruna Mush, irmã da Marina Ferreira que já havia desfilado no nosso trabalho anterior, bem como a Lorena Beatriz, o sereio Ricardo Matins, a artista Maya Weishof com sua irmã Noah Weishof e o também artista Rafael Codognoto com sua irmã Vania das Oliveiras. Especiais também são as participações inéditas do “Gasp” Luan Carfran e da cantora Iria Braga, que junto com meu irmão Renato Linhares não encontram seus pares ao final. Isso não é um spoiler, é só uma chamada para que você entre na nossa página oficial e assista ao vídeo desta coleção. Ele é parte integrante do trabalho. Seguir para filmar nesta chácara, no domingo 06 de dezembro de 2015, às 7h da manhã, em comboio, nos fez lembrar do cortejo fúnebre que foi a passagem da Eliana. A chuva, a Magnólia e a Pipoca, mudaram completamente o clima da produção e nos proporcionaram “altas aventuras”. Pro time ficar completo: Bolsas “Nossa - roupa que conta histórias” por Luan Valloto e colares “ver pra crer” da Africanize por Carla Torres.

 

 

(Contiuando o texto "A performance no Museu Oscar Niemeyer 'parede'") eu sempre me lembro que eu já amei de verdade e lembro da noção de amor que ela sentia por mim. Ela era minha amiga. Esses dias encontrei no celular, mensagem em áudio dela. Chorei. Ela nunca me fez chorar. Ser como ela era sorrir, eu nunca soube onde ela escondia os problemas que eu dividia com ela. Ela era feliz e eu era feliz. Eu tinha uma amiga e eu sabia. Ela ouvia Lulu e Marina, Tim e Skank. Ela escrevia e a gente sonhava. Ela era simples, mas a última vez eu a vi como uma rainha. Roupa de festa, maquiada, carregada, imponente. Mas ela não sorria. Não era mais ela. Ela havia ido, e um pouco de mim se foi também.

 

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